domingo, 14 de novembro de 2010

UM POUCO DO PAI


Para vocês entenderem um pouco melhor. Meu pai era um daqueles fumantes irritantes, que tinha enfisema pulmonar e mentia para os amigos, dizendo que tinha problemas de coração, para que não o impedissem de fumar (como se também não fosse um impedimento, né?).

Em 2005, tive uma crise de pânico e entrei em depressão profunda. Pedi demissão do escritório e, acabado o meu período de aviso prévio, fui correndo pra Santos, pois meu pai estava com um resfriado muito forte.

Cheguei em casa e ele tinha a boca, os pés e as mãos roxos. Não conseguia respirar. Liguei no pneumologista, cancelei a consulta que ele teria naquele dia e carreguei os 140 quilos dele até o carro. Liguei o pisca alerta e fui "voando" para o hospital.

Foi a última vez que o vi de olhos abertos. Indo para a UTI, na cadeira de rodas. Com uma máscara de oxigênio no rosto, o olhar dele dizia "filha, eu te amo muito, mas estou indo embora, adeus". Se fecho os olhos, ainda sou capaz de lembrar da cena nitidamente.

Minha irmã estava grávida de 7 meses e com problemas de pressão alta, não podia ficar descendo e subindo a serra (de Santos para SP e vice-versa) e nem entrar na UTI, por cautela.

Fiquei responsável pela internação e ir a todas as visitas da UTI. A irmã mais nova do meu pai voltou de sua viagem de férias e me fez companhia, pois minha mãe não poderia descuidar da gravidez da minha irmã.

Após 6 dias, meu pai acordou sozinho e arrancou os aparelhos. Fiquei muito feliz, pois 3 anos antes, quando da primeira internação, ele teve a mesma atitude e logo em seguida teve alta da UTI.

Mas, desta vez, o pulmão dele já estava muito pior, graças ao maldito cigarro que ele insistia em fumar (escondido da gente, claro!). O respirador estava inflado e, saiu rasgando a garganta. Ele foi medicado mais uma vez e o colocaram em coma induzido de novo.

Tive vontade de matar o médico plantonista, quando entrou no quarto da UTI e disse, em voz alta, que meu pai não viveria e, se vivesse, teria que fazer traqueostomia e ficar aos cuidados constantes de Home Care.

Tirei o médico do quarto e terminei a conversa do lado de fora, pois tenho plena certeza de que meu pai estava ouvindo e entendendo tudo. Tanto é que, menos de 12 horas depois, ele teve um ataque cardíaco e os médicos não conseguiram reanimá-lo.

Eu quis processar o hospital, pois na semana da internação, meu pai foi ao pronto socorro duas vezes, reclamando do forte resfriado e da tosse, mas os médicos apenas receitaram um xarope e sequer tiraram um raio X do pulmão. Se a pneumonia fosse diagnosticada mais cedo, ele teria visto minha sobrinha nascer. Mas minha irmã e minha mãe não quiseram entrar com a ação.

Eu não queria dinheiro de indenização. Queria apenas que o Hospital e os médicos aprendessem a cuidar descentemente dos pacientes. Afinal de contas, se uma pessoa de 64 anos, com enfisema pulmonar vai ao pronto socorro pela segunda vez na mesma semana, deveria ter recebido atenção melhor.

Tá certo, era a vontade de Deus!!! Não vou questionar o resultado, mas me sinto no direito de contestar a falta de vontade dos homens, especialmente daqueles que não cumprem o juramento feito na faculdade.

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